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quarta-feira, 21 de julho de 2010

Duas Boas Ideias de um Bom Amigo - Letterio Santoro

        

Duas Boas Ideias de um Bom Amigo

Letterio Santoro


         Meu bom amigo José Moreira, velho companheiro de adolescência e de juventude na aventura da vida, de cuja inteligência me tornei ainda mais admirador na terceira idade, lançou-me, lá das Minas Gerais, no final do primeiro semestre de 2010, um desafio eletrônico da mais alta qualidade. E qual é o desafio? Tornarmo-nos, ele, eu e outros malucos interessados, incentivadores do estudo do Latim e da leitura dos clássicos para a juventude de hoje. 
          O Moreira, como bom e arguto professor universitário, lançou o desafio para a pessoa certa. Pois não sabia ele que fui, nos tempos de colégio no Ibaté, um razoável aluno de Latim? E que, na maturidade, por incrível que pareça, também fui professor de Latim, por quatro anos e meio, no curso de Línguas da Universidade de Marília? Além do mais, desde os dias distantes do Admissão, e principalmente das deliciosas tertúlias da Academia Cardeal Motta e do Grêmio Literário Pio XII, sempre fomos apaixonados, ele e eu, pelas Belas-Letras. 
          E, por ter sido aquela fase de nossa vida comum, especialmente na adolescência, uma fase onde vivenciamos os mais altos valores morais e espirituais do ser humano, de que ainda hoje nos lembramos com alegria e pela qual damos sempre graças a Deus, o meu bom amigo Moreira sonha, usando os recursos mais modernos da internet, seduzir, para o Latim e para a leitura dos clássicos, uma infinita leva de jovens, suspirosos por um ideal de vida. 
          Diante de sua proposta, eu até me pergunto se a paixão pelo Latim e pelos clássicos da Antiguidade, nos idos da Renascença, não brotou também de uma situação dolorosa, mais ou menos parecida com a nossa, de violência, de perda de valores, de opressão, de guerras contínuas, exigindo pessoas com uma visão mais humanista, que reagissem com um pensamento mais livre. O Moreira faz questão de frisar que nada há de saudosismo no seu desafio. Não estamos nem um pouquinho pretendendo a volta de um tempo que já passou. Vivemos numa nova era, cheia de recursos humanos e tecnológicos, disponíveis para todos; uma era pluralista no pensamento, onde cada um pode pensar e fazer o que quiser, dentro ou fora de casa; uma era que permite (e por isso o meu amigo é para mim um visionário!) a experiência dos mais impossíveis projetos. 
          Se assim é, por que não tentarmos, através da internet, reunir os cidadãos, os mais diversos grupos, a Universidade, jovens e idosos, trabalhadores da ativa ou aposentados, enfim todos os jovens de espírito, a estudar o Latim e a ler os clássicos, como se fossem duas ferramentas para atilar a inteligência, buscando com isso muito prazer, e, mais ainda, prazer permanente, coisa que nem o sexo, nem o poder, nem o dinheiro, os novos deuses de nosso conturbado tempo, conseguem alcançar? 
          Jovens interessados em aprender Latim eu conheço aqui em Garça. Entre outros, a Franciele Morgado, por exemplo, poetisa e estudiosa, na altura de seus vinte anos, gostaria de conhecer não apenas os rudimentos (as declinações), mas até expressões latinas de que nos valemos no dia-a-dia da existência. Quem não conhece a expressão “Carpe Diem!” (Aproveita o dia de hoje!), usada até como nome de perfume? O que é “Carpe Diem” senão parte de um verso do talvez maior clássico da Língua Latina que é o admirável Horácio? Nem Franciele, nem outros interessados gostariam de aprender o Latim como se aprende a Língua Inglesa: para usá-la utilitariamente. Não. O Latim uma língua morta. Ele deve ser cultivado por puro prazer intelectual. 
          A língua pode estar morta, mas a sua influência, acredito, nunca foi tão viva quanto hoje. O que eu vejo de edições da Eneida, de Virgílio, nas estantes dos sebos, não está escrito. Durante os anos de magistério de Língua Latina na Unimar tive oportunidade de adquirir vários livros sobre a matéria e sobre autores do Lácio. Publicam-se esses livros, é claro, porque são procurados. Porque há curiosidade. Estudar Latim é um desafio radical para algumas pessoas. Não seria um alpinismo mental? 
          E aqui percebo que as duas boas idéias de meu bom amigo José Moreira podem ser reduzidas à figura de uma preciosa moeda com duas faces. O estudo do Latim nos remete aos escritores clássicos; e os escritores clássicos nos obrigam a estudar o Latim. Desde os tempos adolescentes de seminário, o Moreira e eu fomos educados a ler os clássicos. Tanto os clássicos da Língua Portuguesa, como os admiráveis Sermões, do Pe. Antônio Vieira, Os Lusíadas, de Luiz de Camões, os escritores românticos, Tomás Antônio Gonzaga e outros, quanto os clássicos latinos (Virgílio, Horácio e Ovídio), sobre cujos textos nos debruçávamos, naquele imenso salão de estudo, para traduzir algumas páginas de seus poemas. 
          Ao longo dos anos da juventude e da maturidade, por incrível que pareça, aqueles escritores nos acompanharam. E agora na velhice, se nos tornaram íntimos, feito amigos fiéis sempre à disposição. Eles caminharam conosco, companheiros inseparáveis, aonde quer que íamos. Com eles aprendemos a ler, a escrever, a pensar, a nos tornar mais humanos. Hoje acreditamos mais neles do que em tanto modismo intelectual que nos cerca. Se falarmos então dos gregos, que papel fundamental teve para mim o mitológico Ulisses da Odisséia de Homero. Um autor me levou a outro. Homero me levou a Virgílio. Virgílio, a Dante. Ambos a Camões. E todos me encheram a alma de personagens fortes que me ajudam a viver. 
          Pois bem, o que foi bom para o Moreira e para mim pode ser muito bom e útil também para a juventude de hoje, seduzida pelo frustrante sonho/ilusão da droga. Ora, diz o poeta, “ad altiora nati sumus” (nascemos para coisas mais altas): as coisas, os valores do espírito. 
          Tive, tempos atrás, a tentação, aqui em Garça, de ensinar Latim para crianças. Quem sabe agora, animado pelas boas ideias de meu bom amigo Moreira, eu me anime a realizar esse sonho. O estudo do Latim seria mais uma das “coisas inúteis” (como são em geral as artes, como é a cultura) a cuja busca me entregaria de corpo e alma. É uma brincadeira enriquecedora, como aprender a jogar xadrez. A busca do lúdico é essencial no estudo do Latim e na leitura dos clássicos, principalmente por ser uma atividade espontânea, livre, voluntária, sem fins lucrativos. 
          É, talvez, por nos interessarmos ambos, na terceira idade, mais pelas atividades lúdicas que pelas atividades úteis, que o Moreira me propôs esse desafio eletrônico, tentando, como um alto Dom Quixote sonhador, arrastar atrás de si a mim, este pesado Sancho Pança. Quiçá façamos ambos, agora, na velhice, o contrário do que sobre o Cavaleiro da Triste Figura versejou Sansão Carrasco, seu amigo, quando o Quixote morreu: “que acreditó su ventura / morir cuerdo y vivir loco.” E de cada um de nós diga a posteridade “que acreditó su ventura / vivir cuerdo y morir loco”. Coisas do nosso tempo contraditório! Coisas que a terceira e utilíssima idade nos permite realizar! A proposta do Moreira é uma deliciosa loucura! 
          Seja este texto o sinal de aceitação do desafio a mim feito por meu bom amigo Moreira. Enquanto ele e eu, inveterados amantes das Belas-Letras, continuamos a estudar Latim e ler os clássicos, procuraremos, ele na frente e eu lhe seguindo os passos, como bom escudeiro, meios de toda ordem para atrair os jovens de espírito a buscar o puro gozo espiritual, neste tempo de materialismo, de oportunismo, de consumismo exacerbado em que estamos sufocando. Vamos às “coisas inúteis!”

Crônica publicada no Jornal Comarca de Garça,
no dia 21 de julho de 2010, na página 2.


Letterio Santoro, é aposentado, poeta, 
cronista e membro da APEG

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