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terça-feira, 10 de agosto de 2010

Delícias dos Sonetos Neobíblicos - Letterio Santoro

Delícias dos Sonetos Neobíblicos

Letterio Santoro

Li, por três vezes consecutivas, e com sempre maior admiração, o livro SONETOS NEOBÍBLICOS, de Pedro Casaldáliga. São escritos em castelhano, língua materna deste exponencial bispo católico que marcou, com sua luta em prol dos oprimidos, a segunda metade do século XX. Sempre na mira de autoridades políticas e religiosas durante o período dos governos militares, Pedro Casaldáliga é um homem de fé, cheio de Deus, e voltado para as comunidades eclesiais de base, ousado, lutando pela implantação do Reino de Deus. 
Nunca havia lido nada dele, apenas algo sobre ele. E eis que um dia adquiro um livro de 82 páginas, formato quadrado, todo ilustrado pelo artista popular Cerezo Barredo, de São Félix do Araguaia, impresso pela Musa Editora, contendo apenas 25 sonetos de Pedro Casaldáliga. O título pode parecer ambíguo ou, pelo menos, não tão poético: SONETOS NEOBÍBLICOS PRECISAMENTE. A forma dos poemas (soneto) é uma forma fixa, clássica, exigente, concisa. Mas Neobíblicos? Por que os não chamou Sonetos Bíblicos? Acho que aqui está um segredo do autor. Bíblicos – poderia ser entendido como da Bíblia. E na Bíblia há muitos poemas, mas nenhum soneto. Ao dizer Neobíblicos, Casaldáliga, a meu ver, quis mostrar que não eram nem poemas tirados da Bíblia, nem sonetos simplesmente religiosos num sentido até negativo, quase piegas, o que não são. Mas Neobíblicos enquanto sonetos de profunda inspiração religiosa (como, por ex., a poesia da Divina Comédia, de Dante Alighieri), de alta poesia, com uma interpretação bíblica dos dias de hoje, de redescoberta dos ousados profetas de Israel, em cujos oráculos está a mensagem essencial de Javé. E Pedro Casaldáliga é um profeta de nossos dias, de nossa Igreja, de nossas comunidades: homem de Deus e homem do povo. Bíblia e vida: uma não existe sem a outra. Pois Bíblia e vida estão se completando e se misturando, e brilhando juntas nos Sonetos Neobíblicos. 
Seria falar demais ou tolice afirmar que os Sonetos de Casaldáliga são a manifestação artística de um teólogo da Teologia da Libertação? A Teologia da Libertação não é uma concretização teológica do Evangelho de Jesus Cristo? Pois ler os Sonetos Neobíblicos é percorrer o longo caminho que vai do Gênesis até o Apocalipse, passando pela tragédia do pecado, pela Encarnação, Vida, Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, pelo Novo Testamento, e chegando à glorificação universal da Parusia, quando Deus será tudo em todos. E essa milenar travessia é feita no barquinho admirável e perfeito do soneto, cheio de preciosas metáforas que atualizam, humanizam a Boa Nova, que é o próprio Cristo, sob cuja luz, como no painel de Michelangelo, na Capela Sixtina, brilham os valores humanos, tornados divinos. A poesia dos Sonetos Neobíblicos mais do que poesia religiosa é uma poesia com valores humanos. Não são um livro religioso; são uma obra de arte. Como Dante em sua Comédia, todos os homens e mulheres de boa vontade, e especialmente todos os cristãos de todas as denominações podem ler e se deliciar com esses sonetos. 
É o sumo da Boa Nova, no centro da qual brilha o Cristo: o amor, o perdão, a compaixão, a ousadia, o pecado e a graça. Tudo de que o homem de hoje carece. A cada leitura desses Sonetos releio a essência da Bíblia com imagens poéticas. Leitura feita sob a ótica essencialmente humana da Teologia da Libertação. Não é, segundo eles, fé sem luta individual e coletiva. As figuras do passado são atualíssimas: a mensagem de Deus é para nós. E se a vivermos nos tornamos mais humanos. É o humanismo essencial do cristianismo. Tudo está penetrado pela ressurreição de Cristo. Além disso, o Reino de Deus não se dá no céu, no futuro: começa agora e já transforma o mundo. Cristo assume a limitação, a ambigüidade e a contradição humana, mas professando a claridade. 
A encarnação continua ainda hoje com os mesmos personagens: Herodes no poder, dominação imperial, e a nossa pobreza é a nossa Belém. Essa obra de Casaldáliga, com apenas 25 sonetos, comemorou na época (1996) seus 25 anos de episcopado na Prelazia de São Félix do Araguaia. E, no livro, o bispo e poeta consegue um milagre: falar dos temas essenciais da Bíblia, com a linguagem da Teologia da Libertação, para o homem de nossos dias. O mistério da fé, nos Sonetos Neobíblicos, se torna verdadeiro humanismo. Ele canta o verdadeiro homem humano, o ser humano completo, à luz do Cristo ressuscitado. 
Eis como ele vê, no primeiro soneto, “El paraíso”: “No anhelamos comer la fruta vana./ Hijos de barro y libertad, nosotros,/en la común desolación humana,/no queremos ser dioses, sino otros.” “Queremos ser y hacer hijos y hermanos/sobre la tierra madre compartida,/sin lucros y sin deudas en las manos,/ sueltos los rios claros de la vida” “Libres de querubines y de espadas,/queremos conjugar nuestras miradas,/todos iguales en el nuevo edén.” “E en los silencios de la tarde honda/sentir Tu paso amigo por la fronda/y el aire de Tu boca en nuestra sien”. Permito-me citar ainda alguns versos do soneto “Jesús de Nazaret”: “?Cómo, creyendo en Ti, no proclamarte/igual, mayor, mejor que el Cristianismo?”; “debelador de todos los poderes”; “Jesús de Nazaret, hijo y hermano,/viviente en Dios y pan en nuestra mano,/camino y compañero de jornada”; “Libertador total de nuestras vidas.” Mas ao longo do livro o poeta fala de Caim, de Abraão, dos leprosos, da traição de Pedro, de Judas, a quem chama “hermano Judas, compañero/de miedos, de codicias, de traición “. Finalmente, cito parte do soneto n° 24, “Esperar contra toda esperanza”, composto em homenagem a Leonardo Boff, reduzido então ao silêncio dentro da Igreja: “Entre Roma y Asis, está el Calvário/ y el Huerto y la sorpresa de Maria,/y todo un Continente, solidário/con la fiebre y nuestra teologia.” E no último terceto: “porque creemos que Su Reino avanza/más allá del pecado y de la muerte,/hablemos y vivamos de Esperanza”. 
A poesia de Casaldáliga, sob inspiração do passado e do futuro, é o canto de triunfo de todo homem verdadeiramente humano. Todo homem de boa vontade se animará a viver ainda mais com a leitura desses Sonetos Neobíblicos.

Artigo publicado no Jornal Comarca de Garça
 na última edição de 7 de agosto de 2010, na página 2.

Letterio Santoro, é aposentado, poeta, 
cronista e membro da APEG

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