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sábado, 28 de agosto de 2010

Por que participar de Conselhos Municipais (1) - Letterio Santoro



Pablo Picasso - Dança da Juventude - 1966

Por que participar de Conselhos Municipais (1) 


Letterio Santoro




Viemos para Garça no final do ano de 1988, logo depois, portanto, da promulgação da atual Constituição Federal (CF), também chamada de Constituição Cidadã. Uma das mais admiráveis inovações introduzidas em suas páginas pela Constituinte foi a versão atual do parágrafo único do artigo 1º, que diz: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. A expressão de apenas duas palavras - “ou diretamente”- inserida no texto da Lei Magna, nunca antes imaginada em nosso país, quanto mais publicada em lei, e que lei!, é quase revolucionária. 

Na verdade, os constituintes nada mais fizeram do que reconhecer uma realidade existente na década de oitenta, quando os movimentos sociais, animados por instituições de credibilidade nacional (Igrejas, Universidade, OAB e outras), se conscientizaram, se organizaram e se mobilizaram, conquistando de vez o seu espaço na luta por reivindicações que se transformariam em direitos. Estava assim aceita e estampada na CF (esperamos que para sempre!) a tão necessária democracia participativa, através da qual a sociedade organizada participa diretamente das decisões maiores da cidade junto com o representante, eleito pelo povo. Agora, sim, com essas duas partes envolvidas, pode-se realmente dizer que “todo poder emana do povo”. 

Garça talvez tenha sido um dos primeiros municípios do Brasil a criar por lei o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (COMDICRA). Fê-lo, porém, sem nenhuma discussão prévia, às pressas, de uma maneira meio capenga, como se viu logo depois, mas implantou-o no mesmo ano (1990) da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). 

Foi durante análise do ECA, em Marília pelo Fórum de Defesa DCA, e em São Paulo pelo nosso recém-fundado Sindicato (o combativo Sitraemfa que ajudei a criar), que começamos a entender melhor o contexto de pressão da sociedade organizada na Constituinte para introduzir artigos na futura CF. O Prof. Antônio Carlos Gomes da Costa, um dos redatores e especialistas em ECA, nos dizia de uma tradição anglo-saxã de participação nos conselhos, como um modo de se exercer a democracia participativa. O que era tradição em alguns países, era ainda uma novidade para nós brasileiros. E citava os dois artigos básicos da CF (204 e 227), além do art. 88 do ECA, onde se explicitava a democracia participativa através da descentralização político-administrativa e da participação da população. 

Coisas novas e inovadoras na CF e nos grandes Estatutos (Leis federais) que se seguiram ao longo desses vinte e dois anos, como o ECA, a LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social), o Estatuto do Idoso e o Estatuto da Cidade entre outros. E foram pipocando os Conselhos Municipais, os Estaduais e Nacionais, estes últimos dando as diretrizes maiores, colocadas em prática na legislação municipal. Toda essa inovação supõe mudança de mentalidade. E mudar a mentalidade do ser humano, explicavam os especialistas como que nos prevenindo para as dificuldades na implantação da Lei, é a parte mais difícil na mudança da realidade cruel. 

Foi o que constatamos nos primeiros dez anos de implantação do ECA pelo Brasil afora. Só para dar um exemplo concreto aqui em Garça. A lei de criação do COMDICRA foi aprovada, como ficou dito, em 1990, no governo Panza Neto; mas a posse do primeiro Conselho Tutelar, exigido pelo ECA, só se deu em 1997, no governo Júlio Marcondes. E durante o primeiro governo Faneco (1993-1996) o que ocorreu? O que, apesar de nosso esforço profissional de técnico da Febem, de nosso alerta da tribuna da Câmara (Tribuna Livre), de nossos artigos na imprensa no governo anterior, não havia acontecido: o aumento da conscientização, organização e mobilização, lideradas por outras pessoas da cidade e por técnica da Prefeitura, na criação do Fórum de Defesa DCA (Helena Müller, Cida Piola e outros), em seminários sobre os direitos da criança, em reuniões de estudo na Prefeitura que redundaram na alteração completa da primeira lei do COMDICRA e na preparação da primeira lei de criação do COMAS (Conselho Municipal da Assistência Social). Coisas novas a exigir nova mentalidade. 

Vinte e dois anos depois da promulgação da CF de 1988, com as leis federais implantadas, com o cerco feito aos municípios, entenda-se, com os governos estadual e federal cobrando dos Prefeitos, com os convênios de todo tipo, começa-se a criar uma tradição de participação. 

É impressionante o número de conselhos criados nos municípios ao longo desses anos de garantia, na CF, de democracia participativa no Brasil. Hoje nenhum Prefeito se surpreende por criar novos conselhos. Houve resistência no início, vinte anos atrás e até menos. Hoje os Prefeitos estão esclarecidos, são cobrados, são incentivados. Hoje até para receber dinheiro do governo federal na área da Cultura, por exemplo, como foi o nosso caso, foi necessário criar-se o Conselho Municipal de Cultura (CMC). Ganhamos um programa (Ponto de Cultura) por termos o CMC. 

Agora também começou suas atividades o CODEPAC (Conselho de Defesa e preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da cidade de Garça), com representantes do Poder Público e da Sociedade Civil organizada, que cuidará, entre outras coisas, do tombamento de bens móveis, imóveis, imateriais de reconhecido valor para o município. É a aplicação do fator social que está reconhecido na propriedade.



Texto publicado no Jornal Comarca de Garça 
no dia 28 de agosto de 2010 na Coluna Opinião, página 2.

Letterio Santoro, é aposentado, poeta, 
cronista e membro da APEG

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